domingo, 1 de março de 2009

Semana da Mulher

A trajetória específica da mulher desde o surgimento do homo sapiens é tão conturbada e controversa quanto a trajetória da humanidade como um todo e de suas partes em si, mas apresenta algumas peculiaridades que devem ser levadas em conta.
Foi na Revolução Agrícola, na transição do paleolítico para o neolítico, que o papel da mulher ganhou as configurações que, até bem pouco tempo atrás, se impunham de maneira indiscutível na organização da maioria das sociedades, da Groenlândia ao Ártico, tanto à leste quanto à oeste de Greenwich. Afinal, conservadores até a medula, os machos se mantiveram caçando, pescando e coletando, enquanto as mulheres, além de se dedicarem à manutenção da caverna (e, a partir da citada transição, da palafita) e à proteção dos filhotes, agora também plantavam, colhiam, pastoreavam e, nas horas vagas, de ócio criativo, desenvolveram a cerâmica, a religião e, segundo algumas fontes, principalmente baseadas no crescente fértil e nos árias, até o calendário. A relação entre o neolítico e as mulheres é óbvia. Uma das fases mais criativas da humanidade, a importância dos rios e da fertilidade do solo para essa etapa e para o consequente surgimento da civilização colocavam o mito da "deusa mãe" no centro da cultura, entre 20.000 a.C. e o século V d.C. (entre o neolítico e a queda da antiguidade).
Na medida em que a civilização surgiu, e o poder político se estruturou, a função da mulher foi se restringindo ao lar, principalmente entre os povos mais belicistas mas, ainda assim, a necessidade de filhotes saudáveis em sociedades como a espartana e a romana conferiam um certo "status" à mulher.
No início da Idade Média, com a ascensão do monoteísmo - cristão no ocidente e, no oriente, islâmico - ambos escorados na visão hebraica, ganha importância a compreensão da mulher como "influência pejorativa" ou "instrumento da tentação", nas palavras de importantes teólogos da época, como Santo Agostinho, em suas "Confissões", ou no próprio Alcorão maometano (vide o mito de Eva, a história de Dalila ou a interpretação da vida de mulheres históricas como Maria Madalena ou Cleópatra).
A partir de então, fogueiras, burcas, cintos de castidade e outros instrumentos de repressão se tornaram presentes no cotidiano de mulheres pelo mundo inteiro.
Já na Idade Moderna, a partir da ascensão dos valores burgueses, entre eles o individualismo e o materialismo, as mulheres foram se tornando mão-de-obra e, posteriormente, mercado consumidor cada vez mais útil.
Na colonização da América, mulheres brancas eram raras e, nesse "viés", também valorizadas, ainda que submetidas à um dos piores tipos de patriarcalismo de todos os tempos - o patriarcalismo rural desse "feudalismo tardio" que foi a formação da América Latina.
Enfim, na Idade Contemporânea, ao menos nos países "iluministas (*)", a campanha das "sufragetes" pelo voto feminino; a esmagadora mortandade de homens nos campos de batalha e as necessidades da indústria bélica entre os anos 10 e 40; o advento do consumo de massa; a invenção da pílula anticoncepcional; além da própria evolução cultural da humanidade, permitiram que as mulheres ocupassem todos os espaços da vida pública e privada, com possibilidade de escolhas individuais e participação nas decisões coletivas, ainda que enfrentando alguns desafios específicos muitas vezes diferentes dos desafios dos homens, entre eles o preconceito, as diferenças salariais, os diversos tipos de assédio e aquele que talvez seja o maior de todos: o de conciliar as suas "novas" funções com aquelas que sobrevivem desde o neolítico.

(*) A referência aos países iluministas tem dois motivos:
1 - Nas sociedades fundamentalistas, como os xiitas e os amish, a mulher é submetida à moral medieval.
2 - Entre as propostas socialistas do final do século XIX e do início do XX, circulava na Rússia a idéia da "esposa coletiva", que, partindo do pressuposto de que a mulher seria uma "propriedade", deveria ser então "socializada", executando, segundo um panfleto apócrifo russo do início do século XX: "suas funções e obrigações não em benefício de um único membro, mas da comuna como um todo".

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